Texto curatorial
Dobras
Tanto artistas quanto suas obras são produtores de saberes constelares, experimentalmente elaborados no espectro da arte. As esculturas de Marcelo Monteiro, à primeira vista, nos lembram ferramentas usadas na esfera manual, pré-mecânica, que precede a seriação das linhas de montagem da produção fabril. Monteiro, paranaense radicado há quatro anos no Rio de Janeiro e formado em história pela Universidade Estadual de Maringá (PR), é um dos poucos artistas brasileiros a abordar relações de poder no mundo do trabalho operário.
Suas obras tiram proveito da condição de ilusão provocada por seu primor artesanal. A simulação de instrumentos de trabalho, que só existem graças à criação de Marcelo e sua ação sobre a matéria, desafiam-nos a decifrar o sentido destas ferramentas sem trabalhadores cuja função específica é impossível de se definir com precisão, pois sua suposta funcionalidade foi subvertida.
Como não se articulam a partir da lógica produtiva de um mecanismo técnico, suas Dobras revelam simultaneamente o sentido metafórico dos meios e das ferramentas usadas pelo artista. Não sendo uma representação da realidade, mas um tensionamento dela, já que fundamentam sobretudo articulações poéticas, seus trabalhos estabelecem analogias com as condições de poder expressas pela tensão entre os materiais de que são feitos.
Nesses trabalhos de madeira e aço construídos por Marcelo Monteiro é possível perceber os rastros que hoje fundamentam as decisões e escolhas de grande parte de uma arte politizada dividida entre discursos de classe ou identitário-temáticos. O conhecimento da obra de um artista não resulta apenas da aplicação de conceitos formulados por teorias tais como aqueles da crítica, história, filosofia da arte e estética, situados fora do contexto da criação, invenção e experimentação poética.
Fernando Cocchiarale