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   Sangue Verde
                Terra Preta
Alvos Vivos

 Benoît Fournier

Curadoria: Bruna Costa
Sopro: Ernesto Neto

 

Quando a nossa antiga vida acabou, Benoît Fournier iniciou um mergulho profundo no seu fazer dentro do espaço da Z42. Ainda que os trabalhos aqui apresentados tenham sido produzidos no período da pandemia, não é uma exposição pandêmica. As questões de Benoit antecedem os tempos atuais, falam de uma certa origem, sussurram saberes ditos há muito tempo, meio esquecidos. É com eles que se apresenta Sangue Verde, Terra Preta, Alvos Vivos.

Se, na contemporaneidade, a arte tenta deslocar-se de uma construção histórica sacralizada para retomar sua relação com a vida e com o cotidiano, essa consciência não pode prescindir de epistemes que não criaram essa separação cartesiana entre arte e vida. Daí a vontade do artista de trazer elementos de uma dita natureza, não apenas nas formas, temas e materiais, mas o âmago mesmo de tudo que faz. Pego emprestado o termo que Ernesto Neto usa para referir-se a Benoît: “plantartista”, um ser que produz uma arte meio vegetal, meio técnica. E essa simbiose faz jus ao que se materializa nestes ambientes.

O trabalho se localiza entre a ideia de clausura e liberdade. Por um lado, trazendo um mundo racional: o quadro, a trama, a gaveta/compartimento, o geométrico, o científico, o manufaturado; por outro lado, evocando um repertório diferente: a fluidez, as raízes, o caos, o orgânico, o bruto. Quando Benoît usa a experiência da fotografia para produzir retratos em Espírito das plantas, por exemplo, a luz que desenha é a luz do sol, e a tinta que utiliza é a clorofila; uma natureza que ora oferece, ora toma as imagens que ajuda a construir.

Nas monotipias, outra técnica de impressão, as plantas encontram maneiras de se fixarem no suporte. Visualmente, esses trabalhos trazem uma lembrança distante das pranchas dos artistas viajantes do século XIX, retratando a biodiversidade de uma paisagem encantadora. Benoît não busca retratar ou registrar um conhecimento botânico, nem as representa através do desenho ou aquarela, mas usa a impressão para eternizar suas imagens, trazendo a ideia de fóssil que alarma ao risco de extinção.

Clausura e liberdade se manifestam sobretudo no grupo de trabalhos chamados Cativos, palavra que alude ao que é preso seja pela sedução ou seja pela violência. Aqui as telas fabricadas aprisionam matérias orgânicas que o artista coleta: mudas de pele de cobra encontradas, ninhos e galhos caídos, raízes mortas.

Se o ato de juntar coisas já é comum ao seu fazer (o orgânico e o geométrico, a prisão e a liberdade, a natureza e a técnica), além de produzir diálogos possíveis com toda uma sorte de movimentos da história da arte, nos trabalhos intitulados Juntar não-coisas a força dos signos confronta a beleza das formas, reiterando a presença da violência colonial ainda nos nossos dias – enquanto escrevo estas linhas, a votação do Marco Temporal no STF é novamente adiada, prolongando a tensão de mais uma violação contra os povos indígenas e lembrando-nos há muito pelo que lutar, se ainda quisermos que essa terra não seja destruída por completo.

Essa exposição ainda não se encerra aqui, bem como seus assuntos. Em outubro, a plantarte que é regada constantemente cresce e se expande para outras salas, dando lugar a instalações inéditas e imersivas, algo um pouco diferente do agora. No mais, para o momento, convido a subir à torre – há uma delicadeza habitando lá.

Bruna Costa

Curadora

Texto curatorial

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